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terça-feira, 2 de maio de 2017

A polêmica cobertura da greve geral

Por Francisco F. Ladeira e Vicente de Paula Leão em 29/04/2017 na edição 941

Na sexta-feira (28/4) boa parte dos brasileiros interrompeu suas atividades cotidianas para participar de uma greve geral organizada em reação as reformas trabalhistas propostas pelo governo de Michel Temer. Como é de praxe, a imprensa hegemônica brasileira, ligada aos interesses dos grandes capitalistas, não mostrou nenhum tipo de simpatia por mobilizações da classe trabalhadora.

Em outras épocas, quando os grandes órgãos de comunicação detinham o monopólio de divulgar informações em larga escala, a greve geral certamente passaria despercebida, não seria noticiada, pois não seria digna de ser considerado um “fato jornalístico”. Todavia, com o advento das redes sociais, muitos acontecimentos podem ser reverberados nacionalmente à revelia da imprensa hegemônica. Portanto, diante da inevitabilidade de ocultar as mobilizações populares, os maiores jornais, revistas e emissoras do país recorreram ao que melhor sabem fazer: distorcer a realidade em favor de um determinado viés ideológico.

Segundo a teoria da comunicação conhecida como “Enquadramento Noticioso”, a mídia faz uso de certas palavras, ideias, expressões e adjetivos que promove um enquadramento que modela um determinado acontecimento, selecionando alguns aspectos e omitindo outros. Este processo “recorta” determinado ângulo do fato tornando-o conhecido e, portanto, “real”, permitindo assim que os cidadãos possam se posicionar e agir em relação ao ocorrido.

Coronelismo midiático

Como todo acontecimento complexo, uma greve pode possuir tanto aspectos positivos quanto aspectos negativos. No entanto, para descontextualizar os fatos, a grande mídia destacou que as manifestações não tiveram “causas”, mas somente “consequências”. Em seu enquadramento, apenas os transtornos causados pelas mobilizações populares nas ruas foram apresentados. Noticiários destacaram os engarrafamentos quilométricos e os dramas dos afetados pela greve. Fotos com zoom fechado foram utilizadas para mostrar populares nas ruas, o que possibilitou visualizar apenas fragmentos das manifestações.

De acordo com linguista francês Patrick Charaudeau, especialista em Análise do Discurso, a patemização – prática de suscitar estados emocionais na audiência mediante determinados estímulos – é uma poderosa estratégia para a legitimação do discurso midiático. Sendo assim, os principais canais de televisão exibiram incessantemente a “violência” dos grevistas com imagens de carros quebrados, pneus queimados e danos ao patrimônio público. Fotos e imagens que destacaram bandeiras vermelhas buscaram alimentar o medo entre a população, associando a greve aos “comunistas/petistas”.

Outras estratégias de manipulação utilizadas foram a escolha das fontes, a criminalização dos protestos, a desqualificação do movimento grevista e a distração da audiência com questões fúteis. Escolher quem será entrevistado é a garantia de que a história será contada apenas a partir de um ponto de vista. Para os analistas políticos da grande mídia, “a greve foi coisa de uma minoria e não possui o apoio da população em geral”. Já a violência policial contra manifestantes é justificada como “defesa do cidadão e do patrimônio público”.

Diante dessa realidade, devemos refletir sobre o porquê de a grande mídia brasileira apresentar quase sempre uma visão unidimensional da realidade. Apenas determinado ponto de vista tem espaço nas maiores emissoras de televisão e nos principais jornais e revistas do país. Opiniões divergentes ao status quo são peremptoriamente ignoradas. Sendo assim, é preciso democratizar os meios de comunicação para que os diferentes setores sociais tenham a oportunidade de defender os seus valores políticos. Em última instância, uma verdadeira democracia passa, inexoravelmente, pelo fim do coronelismo midiático.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestrando em Geografia e Vicente de Paula Leão é professor universitário

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