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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Manifestações: antes, durante e depois

Um dos símbolos do grupo Anonymous.
Por Marlon Antônio Rodrigues da Silva
Professor e jornalista

As manifestações que se espalharam pelo país resultaram de muitos fatores que atuaram em conjunto.

Estudiosos de várias áreas de conhecimento ainda estão tentando explicar sua origem. Mas já começaram a surtir efeitos em vários espaços do Poder.

De forma simples, pode-se dizer que o acesso de grande contingente de jovens estudantes à internet, em especial às redes sociais (Orkut, Twitter e Facebook, principalmente) foi o depósito de combustíveis que explodiu na forma de protestos  pelo Brasil. O compartilhamento de informações e críticas ao (des)governo resultou em uma visão mais crítica de temas como corrupção, impunidade, má gestão dos recursos públicos, excesso de tributos e truculência policial (notadamente nas regiões mais pobres das grandes cidades), além do alto custo de tarifas de transporte coletivo urbano.

A gota d'água não foi o Movimento Passe Livre (MPL) em si, ocorrido na cidade de São Paulo. A gota d'água foi a repressão violenta feita aos estudantes que, pacificamente, exerciam seu direito constitucional de manifestação e reivindicação. Cada internauta (estudantes principalmente) sentiu como se aquela agressão gratuita e desmesurada fosse contra si mesmo. E por que isso?

Máscara do personagem principal em "V"de Vingança.
Muitos desses internautas se identificam e admiram um grupo surgido nos Estados Unidos intitulado "Anonymous". Eram hackers principiantes que se divertiam na internet fazendo brincadeiras ("trolando") outros internautas e publicando essas brincadeiras em páginas específicas. Nessas páginas eram compartilhadas, além das "trolagens", grande variedade de arquivos. Era um espaço totalmente livre para compartilhamento de informações as mais diversas. Seus usuários tinham perfis anônimos e acabaram percebendo que tinham muitas afinidades.

Em dado momento, uma das brincadeiras, usando programa criado por hackers de fato, resultou em problemas com um grupo adversário pertencente a uma seita (Cientologia). Esse outro grupo recorreu aos tribunais, alegando prejuízos causados no seu site. Os tribunais condenaram alguns dos anônimos a penas graves, como se fossem criminosos. A partir daí se travou verdadeira batalha virtual entre os demais anônimos (auxiliados por hackers) e os cientologistas. Convocações foram feitas pela internet  e todas as sedes dos cientologistas espalhadas pelo mundo tiveram protestos na frente de suas portas. Foi o início "oficial" do grupo Anonymous.
Capa do DVD do filme
inspira os Anonymous.

O símbolo que representa os Anonymous é uma máscara usada por personagem do filme "V" de Vingança ( "V" for Vendetta). O filme se baseia numa série de romances gráficos (histórias em quadrinhos) escrita por Alan Moore e em grande parte desenhada por David Lloyd. A história se passa em um distópico futuro de 1997 no Reino Unido, em que um misterioso revolucionário tenta destruir o Estado através de ações diretas. O personagem usa uma máscara para agir anonimamente.

Por conta dessas características (anonimato, trabalho em grupo e luta contra o poder corrupto dominante) o grupo Anonymous arrebanhou para a internet enorme número de simpatizantes, notadamente jovens idealistas.

Boa parte desses jovens sentiu como se fosse na própria pele as agressões ocorridas em São Paulo contra os manifestantes pelo Movimento Passe Livre. Daí ao compartilhamento em massa de uma convocação para dar o troco ao governo foi um pulo. E quanto mais gente compartilhava informações a respeito ou participava dos movimentos (publicando fotografias, vídeos e opiniões), mais pessoas se indignavam e se motivavam a também participar. Nem mesmo os vândalos infiltrados, as simulações de agressões a veículos ou ao patrimônio público, ou as armadilhas para provocar reações violentas dos manifestantes surtiram o efeito que as autoridades corruptas desejavam. Também é certo que vândalos e bandidos de todo tipo se aproveitaram de manifestações para depredarem patrimônios públicos e privados; agredirem policiais; e praticarem agressões, arrombamentos, roubos, furtos e arrastões.

Manifestações, geralmente na forma de passeatas, se espalharam por quase todas as capitais e pelas principais cidades do país, contagiando também cidadãos de cidades menores. A imensa maioria, pacíficas. Também a ação policial pode ser generalizada: geralmente truculenta, ineficiente, desproporcional (tanto por ser agressiva demais, quanto por ser omissa demais).

A reação do governo ao perceber que a situação poderia fugir do controle (uma possível guerra civil) foi ridícula.

A presidente Dilma foi à TV anunciar 5 "pactos", dentre os quais uma Assembleia Constituinte Específica, um dos itens da chamada Reforma Política, que foi rechaçada por completo dois dias depois. Outro tópico desse item do "pacto" seria a inclusão da corrupção no rol dos crimes hediondos, reivindicado em muitas manifestações. Tal medida é igualmente ineficaz, pois dificilmente atingirá o alvo desejado pelos manifestantes: os políticos (poderes Executivo e Legislativo principalmente).

Outra proposta referiu-se ao uso de recursos advindos da exploração do petróleo no Rio de Janeiro para a Educação. Tais recursos só estarão disponíveis dentro de 10 anos, aproximadamente, o que a torna completamente inútil neste momento de comoção nacional.

Igualmente inócua é a proposta de responsabilidade fiscal - garantir a estabilidade da economia e o controle da inflação. Apenas um discurso vazio, sem qualquer ação ou providência imediata. Popularmente falando: conversa fiada.

No que concerne à saúde, Dilma "pactuou" (de onde será que tiraram essa ideia de pacto?) em acelerar investimentos já contratados em hospitais, UPAs e Unidades Básicas de Saúde (CONVERSA FIADA);
contratar médicos estrangeiros somente se não houver profissionais em número suficiente para trabalhar em áreas remotas ou pobres (médicos estrangeiros dificilmente entenderão português, e se entenderem, jamais entenderão as expressões populares usadas nas regiões remotas onde trabalhariam - sem contar a questão da validação dos diplomas, cuja falta já é criticada pela classe médica; a questão dos exames, visto que atualmente já há uma demora inadmissível; e do fornecimento de medicamentos e tratamentos, também indisponíveis para a maioria dos casos mais complexos). Enfim, CONVERSA FIADA. Também foram citadas pela presidente, sem qualquer detalhamento, medidas para dar melhores condições dos ambientes de trabalho (CONVERSA FIADA) e ampliação de vagas de graduação (CONVERSA FIADA).

A respeito do estopim das manifestações - a mobilidade urbana e o preço dos transportes, Dilma "pactuou" (que termo pedante!) um salto de qualidade no transporte público nas grandes cidades - mais metrôs, VLTs e corredores de ônibus (CONVERSA FIADA).  O governo afirma que desonerou impostos, o que teria reduzido as tarifas de ônibus em 7,23% e 13,75% em tarifas dos metrôs e dos trens (CONVERSA FIADA). A presidente afirmou que as tarifas de metrôs e trens estão congelados desde 2003.  O governo desonerou o IPI para compras de ônibus (OS DONOS DAS EMPRESAS DEVEM ADORAR, POIS NÃO REPASSAM O DESCONTO PARA OS PREÇOS DAS PASSAGENS); está querendo desonerar o PINS-COFINS sobre óleo diesel e energia elétrica de metrôs e trens (OS DONOS DAS EMPRESAS ADORARÃO TAMBÉM!).  Outra medida anunciada é a suposta destinação de 50 bilhões de reais em obras de mobilidade urbana (CONVERSA FIADA). A última medida por Dilma nesse quesito foi dar maior transparência e controle social no cálculo das tarifas de ônibus - criação de conselhos (CONVERSA FIADA).

Diante de tanta conversa fiada, pode-se até considerar que o Poder Legislativo Federal foi mais eficiente. Em pouco mais de duas horas de discussão, o Plenário do Senado aprovou, em votação simbólica, o projeto que inclui a corrupção ativa e passiva no rol de crimes hediondos. De autoria do senador Pedro Taques (PDT-MT), a proposta faz parte da agenda legislativa elaborada para atender o que os senadores chamaram de "clamor das ruas", em referência às manifestações realizadas no país desde o início do mês.

Para se ter uma ideia de como a pressão popular foi importante, o projeto (PLS 204/2011) estava engavetado desde 2011. Além disso, outras propostas semelhantes haviam sido sumariamente recusadas pela Comissão de Constituição e Justiça. O relator, senador Alvaro Dias (PSDB-PR) fez algumas mudanças no texto, dentre as quais uma emenda do senador José Sarney (PMDB-AP) para também tornar o homicídio simples crime hediondo. Essa emenda não foi reivindicada nos protestos, certamente colocada pelo Sarney apenas para aparecer na mídia. A matéria segue agora para a Câmara dos Deputados.

Até o sempre inerte, ineficiente e moroso Poder Judiciário tentou mostrar serviço. O Supremo Tribunal Federal determinou a prisão imediata de um deputado federal condenado em 2010 por corrupção, sendo o primeiro deputado federal em exercício preso desde a promulgação da nova Constituição (1988).

Apesar de menos intensas e em menor número, ainda hoje há diversas manifestações ocorrendo pelo Brasil e se fala numa greve geral no primeiro dia de julho ou ao longo do mês.

Bom Jardim, 28 de junho de 2013.

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