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sábado, 16 de novembro de 2013

BOM JARDIM: UM DIÁLOGO COM A HISTÓRIA DE NOVA FRIBURGO

Por Janaína Botelho*

Nas primeiras décadas da instalação da vila de Nova Friburgo, no século XIX, muitos agricultores migraram para o vale do rio Grande em busca de terras menos frias e próprias para o plantio do café. Essa migração iria dar origem a um povoado nas margens do ribeirão de São José, que seria elevada em 1857, de curato a freguesia de São José do Ribeirão, pertencendo ao termo de Nova Friburgo. Em 1872 a freguesia de São José do Ribeirão tinha uma população de 7.962 pessoas, enquanto S. João Baptista, a sede da vila de Nova Friburgo, possuía 6.303.

Pode-se afirmar que com o plantio do café em larga escala em São José do Ribeirão, essa freguesia tornar-se-ia a mais próspera de Nova Friburgo. Próximo a essa freguesia está Bom Jardim, que na ocasião pertencia a Cantagalo. É provável que onde hoje se localiza Bom Jardim, se estabeleceram os primeiros sesmeiros desde que a Coroa Portuguesa começou a distribuir sesmarias para a lavoura devido o fracasso da extração de ouro nos afluentes dos rios Grande, Negro e Macuco nos Sertões do Macacu. Para ali migram continuamente muitos colonos suíços e alemães como os Monnerat, Hoeltz, Schumacker, Eller, Asth, Schotz, Gripps, Winter, Sanglard, Combat, Frotte, etc. Décadas depois, imigrantes italianos como os Caputo, Pecci, Lobosco, Magliano, Bianco, Carrielo, Chiacchio, entre outros, para lá se dirigiram. Com o advento da República, São José do Ribeirão é beneficiado pelo decreto de 06 de julho de 1891 e se torna município. Entidade municipal criada apressadamente, desmembra-se de Nova Friburgo sob protestos da Câmara Municipal. Mas o pequeno burgo não possuía força coesiva para garantir-lhe uma sólida estabilidade administrativa e isso redundou na imediata revogação de seu status como município. Pelo decreto de 28 de maio de 1892 é rebaixado, voltando a pertencer a Nova Friburgo.

A mudança de regime monárquico para republicano acarreta instabilidade política no país e notadamente nessa região. Em 1892, volta a ser discutida a constituição do município de São José do Ribeirão que, no entanto, muda de nome, passando a denominar-se Bom Jardim e ter a sede onde hoje se localizada essa mesma cidade. Em março de 1893 foi oficialmente criado o município de Bom Jardim. A perda de São José do Ribeirão para Bom Jardim gerou novos clamores e tensão entre Nova Friburgo e aquele município. Em 1911, a Lei n° 1003 iria desanexar o território de Amparo de São José do Ribeirão e devolvê-la a Nova Friburgo. Mas quem estava por trás de todo esse quiproquó de disputas territoriais? Segue neste artigo uma hipótese do que provavelmente poderia estar ocorrendo naquela ocasião. 

Os Corrêa da Rocha. Século XIX.
Inicialmente devemos esclarecer que o governo republicano resolve punir a monarquista Cantagalo, cortando-lhe as carnes, retalhando-a, restirando-lhe territórios para enfraquecê-la. Afinal, o regime republicano era recente, os monarquistas poderiam reverter a situação política e Cantagalo abrigava inúmeros potentados barões do café. O seu peso político era significativo apesar de muitos deles estarem contrariados com o governo imperial pelo fim da escravidão. Sucessivamente as freguesias e territórios de Cantagalo irão emancipar-se para dar lugar a municípios como Carmo, Sumidouro, São Sebastião do Alto, Itaocara, Macuco, Duas Barras, Santa Maria Madalena, Trajano de Moraes, entre outros, que integram os 14 municípios do centro-norte fluminense. Voltando a indagação anterior, quem eram os atores políticos que naquela ocasião poderiam estar mediando forças entre Bom Jardim e Nova Friburgo? Em fins do século XIX, duas forças políticas se destacavam na região: O coronel Luiz Corrêa da Rocha, em Bom Jardim, e o coronel Galeano das Neves, em Nova Friburgo. A desanexação de Amparo de São José do Ribeirão e consequentemente de Bom Jardim, pode ter sido provocada pelos Galeano das Neves que tinham uma grande propriedade rural em Amparo. Desejavam pertencer à Nova Friburgo e não a Bom Jardim.
Família Galeano das Neves.

Parece-nos que o coronel Luiz Corrêa da Rocha tinha significativa representatividade junto ao governo central. Era filho de um grande proprietário de terras e o seu pai chegou a possuir 25 fazendas no noroeste fluminense. A estação de trem se instala em Bom Jardim quando deveria ter sido alocada em São José do Ribeirão, já que produção de café se concentrava nessa localidade. E daí surge a lenda de que os agricultores de São José do Ribeirão temiam que as faíscas do trem queimassem suas lavouras se a linha férrea passasse por essa região. Pura lenda. Na realidade, a linha férrea e a estação de trem foram instaladas nas proximidades da Fazenda Bom Jardim, que deu nome ao município, de propriedade do coronel Luís Corrêa da Rocha.

Destacaram-se na República Velha, em Bom Jardim, os coronéis Luís Corrêa da Rocha Sobrinho, Eugênio José Erthal e Antônio José Maria Monnerat. Porém, a liderança política era do coronel Luis Corrêa da Rocha Sobrinho(1863-1947), descendente de um dos primeiros sesmeiros da região. O seu avô, Mathias Corrêa da Rocha, possivelmente foi um dos primeiros a obter sesmarias nos Sertões do Macacu(Cantagalo), a exemplo das fazendas Santa Bárbara e Nossa Senhora da Soledade. O seu pai chegou a possuir 25 fazendas no noroeste fluminense. Mas sua maior propriedade era a histórica Fazenda Bom Jardim, que deu nome ao município, igualmente uma das primeiras sesmarias daqueles sertões. Sua fazenda dispunha de catadores, brunidores, descascadores e separadores movidos por motor hidráulico. A torrefação de café possuía os aparelhos mais modernos que beneficiava 80 arrobas desse produto, diariamente.
Usina hidrelétrica da fazenda de Luís Corrêa da Rocha Sobrinho.

Quando o general norte-americano John Pershing veio ao Brasil, desejando conhecer o cotidiano de uma fazenda de café na velha província fluminense, foi a fazenda Luís Corrêa da Rocha Sobrinho a indicada a visitar. Na tentativa de lidar com o problema da falta de mão de obra, devido ao fim da escravidão, Corrêa da Rocha contratou colonos chineses para trabalhar em suas propriedades. Uma Lei estadual de n° 26 de 14/11/1892, incentivava a contratação de chineses e japoneses em número de 100 a 120 mil. Anualmente, deveriam entrar no país entre 10 a 20 mil chineses das etnias Hakka e Punti. No final de 1893, os chineses foram objeto de curiosidade numa parada na estação de trem, em Nova Friburgo, ficando o fato registrado na imprensa local. Os chins, como eram chamados, iriam trabalhar em um engenho de propriedade da família Corrêa da Rocha.
Péricles Corrêa da Rocha.

Luís Corrêa da Rocha Sobrinho foi vereador nos períodos de 1894-95 e 1901-1907, sendo presidente da Câmara em dois triênios. O seu sucessor na política foi o seu filho Péricles Corrêa da Rocha. Antes da reforma constitucional de 1920, a administração municipal era exercida pela Câmara Municipal que tinha poderes legislativo e executivo. A Lei 1.670/20, regulamentada pela lei orgânica das municipalidades (Lei 1.734/21), introduziu a figura do prefeito e a partir de então a Câmara Municipal possuía apenas o Poder Legislativo, ficando o Poder Executivo a cargo do prefeito. Péricles Corrêa da Rocha foi o primeiro prefeito de Bom Jardim, exercendo mandato no período de 1922 a 1927. Exerceu, outrossim, o mandato de deputado estadual nos anos de 1927 e 1928. 

A economia de Bom Jardim girava em torno da cultura do café e da lavoura branca. Em 1920, produzia 5000000 de quilos de café, 30000 sacos de feijão, 20000 de milho e 8000 de arroz. O desenvolvimento da infraestrutura de Bom Jardim deve-se aos Corrêa da Rocha. A energia elétrica chegaria ao município em 1917. Inicialmente, a luz elétrica foi instalada nas fazendas locais, mas posteriormente foi criada a Companhia de Eletricidade, a “S.A. Luis Corrêa”, de propriedade de Corrêa da Rocha. Deve-se a Péricles a instalação dessa companhia nesse município. A cachoeira da Fazenda Bom Jardim e outras cachoeiras no curso do rio São José, serviram a companhia elétrica. Parece-nos ter contado com a consultoria de Julius Arp, industrial alemão e proprietário de uma empresa similar em Nova Friburgo. Péricles instalou igualmente em Bom Jardim a fábrica de confeitos Busi.
Fábrica de Caramelos Busi. Bairro São Miguel.

Os Corrêa da Rocha, típicos coronéis da República Velha, irão sofrer um baque político na Revolução de 30. Na ocasião da revolução, Péricles Corrêa da Rocha era prefeito de Bom Jardim. Exercendo mandato entre os meses de janeiro e outubro foi deposto assumindo a Junta Governativa. Mas essa reviravolta na política iria beneficiar o desenvolvimento em outra região, Itaocara, outrora distrito de Cantagalo. Em 1896, a falida Companhia Engenho Central Rio Negro fora adquirida por Luis Corrêa da Rocha dos filhos do Barão de Nova Friburgo, entre outros sócios. Será na gestão de Péricles que o Engenho Central do Rio Negro irá desenvolver-se enormemente, tornando-se um “Estado dentro de um Estado” na região, inclusive com moeda própria. Péricles administrou o engenho no período de 1930 a 1956, modernizando a empresa e colocando-a entre os maiores engenhos de beneficiamento de açúcar do país. Passando a se chamar Engenho Central Laranjeiras, essa empresa iria provocar uma imigração em massa de trabalhadores para a região, mormente de mascates árabes. 

Panorâmica de Bom Jardim.
Em 1943, Bom Jardim passou a denominar-se Vergel, mas quatro anos depois retorna ao seu nome original. É lamentável que a história desses atores históricos esteja esmaecida e seja desconhecida até em Bom Jardim. Pesquisar a história de Nova Friburgo, dialogando com essa rica história regional, deve ser o ofício dos historiadores locais.

(*) Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo.

3 comentários:

Unknown disse...

Gostei muito do artigo. É claro e informativo. Copiei. Parabéns à Professora janaína Botelho pela autoria e ao Portal Bom jardim pela publicação.

Diego Chermaut Emmerich disse...

Quem não conhece seu passado não sabe compreender o presente, e tão pouco trilhar seu futuro! Ótimo post! Compartilhando.

Laura Botelho disse...

Olá Janaína.
Eu estava fazendo uma pesquisa básica sobre minha família BOTELHO e descobri que meu tio avô, Maestro José de Castro Botelho (irmão do meu avô, Romão de Castro Botelho) é natural de Bom Jardim (1882).
O curioso é que achei seu BLOG sobre a história de Bom Jardim com sobrenome BOTELHO. Será que você tem parentesco com meus avós? Você sabe alguma história sobre a chegada dos Botelhos em Bom Jardim? Gostaria muito de saber mais sobre tudo isso, pelo menos uma pista.
meu email para contato é laurabotelho@oi.com.br
Desde já agradeço sua atenção, se puder me ajudar
att
laura

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